quinta-feira, 16 de julho de 2009

Saudade

por querer voltar (logo) para casa,
a multidão se faz armadilha:
cavaleiro de ânsia e adrenalina
no meu cavalo manco e sem asa.

reparto a cidade com milhões
mas há canções nossas, apenas.
por isso o rádio tece uma ilha
com as paisagens mais serenas.

e nem mesmo os os aviões
(testemunhas lá no alto)

vêem o meu peito abrir uma trilha
neste vermelho rio de asfalto.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Poema 17

agora sei:
tanta secura às vezes vaza
e é preciso mentir, e criar.


e não deu certo o meu abrigo
contra essa solidão pesada:
era falso o príncipe encantado
(sem flores, castelo, sem nada).


mas se o cavaleiro foi inventado
por que também não o castigo
por que também não a espada?









( por Alan Miranda )

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Poema 16

por isso seu telefone
toca, nas madrugadas:

eu quero que meu nome
e as suas juras passadas

desfilem na avenida
da sua nova vida.


permita-me, amor, essa
minha última loucura
(seus passos vão depressa
além da minha triste figura):

caiar de poeira
a nossa ruína.

mesmo contra o vento
mesmo além do tempo:


como uma fogueira
sob a chuva fina.





( por Alan Miranda )

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Poema 15

a noite refaz o que se perdeu
e me traz toda esperança.
é onde brinco feito criança
com a minha avó que já morreu.


é antes de tudo, no sonho
que a morte fica calada
pois apenas aí disponho
de um eterno agora, e mais nada.


enquanto meu corpo descansa
deixa vaga parte da cama
(refazendo o nosso final):


ela talvez volte de aliança
sussurando que ainda me ama
com os entregadores de jornal.





( Por Alan Miranda)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Poema 14

a fuga muda dos teus olhos
miro digiro
esse tiro:


lágrimas vertidas
convertidas
num mutismo agudo.

me levanto
me afundo no canto
num porto seguro enquanto
não adormece a lembrança
maré contra teu peito raso
que não esquece aquele sujeito

(entre a gente no leito)
e o desfeito
no ocaso.





( Por Alan Miranda)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Poema 13

Talvez foi quando as nuvens
negaram-me o teu rosto;
ou quando revelou-se o gosto
de outras bocas na tua;

foram minhas pálpebras cansadas
que me abriram os olhos pra rua?
ou foram as palavras jogadas
no vácuo da tua ausência?

foi a lâmina do espelho
estampando o meu valor?
foram as vozes dos conselhos
ou o grito da minha dor?



talvez tenha sido minha impaciência.



Sei que foi em algum ponto, lá atrás:
não sei quando, ou em que lugar
(acho que quando tuas mentiras
já não me doíam mais).

foi de repente:
um dia, deixei de te amar.




( Por Alan Miranda)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Poema 12

Dizem: é questão de tempo.

Se toda paixão anda em roda
e todas as dores

se dissolvem no vento
dos neurotransmissores

se a felicidade
renasce em cada foda

se o absoluto não existe,
por que depois de tantos amores
sem você, ainda sou triste?




( Por Alan Miranda)

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Poema 11

foi sem qualquer treinamento
que eu, verde, fui instado
a enfrentar uma mulher:

as palavras num refluxo lento
o discurso

entrecortado

esperando uma linha qualquer

cigarro pontuando o cinzeiro
meu olhos pra sempre esperando
quem jamais voltou do banheiro.

eu, orquestra de nenhum som,
guardei o filtro tatuado
meu bolso sangrando batom
meu solene beijo frustrado.




( Por Alan Miranda)

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Poema 10

A vida é tão doce, amigo,
e eu aqui na contra-capa
no abrigo frio do escritório
em pleno Rio, eu de gravata

a cara gorda, a alma magra
sem meu grimório de partitura
que é a loucura de todo samba
que é a doçura de todo bamba

com a puta da coluna,
com o branco lá da boca,
vivo a vida tão cicuta,

penso a vida tão insana,
escura, negra, impura,
vazia, pra quem não ama.



( Por Alan Miranda)

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Poema 9

não perguntes quantas
desfilaram em mim:

mede-se o navegar
pelo avanço do barco
ou pelas ondas do mar?


Não perguntes, enfim
como escolhi dentre tantas
(aceita ser o marco-
zero, no meu coração.)


não sabes que o mistério
é sério como um arco
atirando sem direção?




( Por Alan Miranda)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Poema 8

trazes as mãos cerradas.
pulverizas, de avião,
sobre todo meu jardim:

flores despedaçadas,
alquebradas pelo chão,
despetaladas em mim.

eu, nunca dada a sonho,
cultivava pequeno
esse canteiro estranho

(que à noite, sereno,
ganhava toda amplidão.)

queima toda esperança
essa tua aliança,
Napalm na palma da mão.





( Por Alan Miranda)

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Poema 7

teu silêncio no meu ouvido
dá a medida mais que exata:
são dois mundos, um para cada.

E quando à tua boca fechada
se junta o teu olhar perdido

só vejo água e mais nada:

travessia de um rio comprido
entre margens de nenhum ruído
na minha canoa furada.



( Por Alan Miranda)

domingo, 27 de julho de 2008

Poema 6





o meu pensamento

não respeita janela

voa com o vento:
ora nesta nuvem
ora naquela


(e também minha garganta
dentro da noite, canta
sua fuga da cela.

é preciso cautela:
pois há muito perigo
se minha boca revela
que durmo contigo
mas sonho com ela.)




( Por Alan Miranda)

Poema 5




todos meus sonhos de infância

(o príncipe e o castelo
o dedo e o anel amarelo)
tão claros, altos e puros

agonizam em dissonância
esmigalhados feitos pó
por brutos de cascos duros

(manada abrupta de um só).





( Por Alan Miranda)

Poema 4




Lanço velhas juras no lixo,

e queimo (da nossa janela)
aquela foto minha e sua:

te entrego sem qualquer capricho
a todos os ratos da rua;

enquanto com passado picho
a noite, as estrelas e a lua.


( Por Alan Miranda)



Poema 3





O de repente é pura bobagem

pois toda viagem
exige preparação.

tudo ficou tão sério
tão sem mistério
como hóstia jogada ao chão

nossos corpos
paralelos
já não se tocam;
e nossos mundos

mudos se chocam.

Mas depois de tanto tempo
naquelas velas do fim
soprou um vento de paz.

Levo você em mim
como um barco que acena
(mas rema)
pra sair do cais.


( Por Alan Miranda)




Poema 2



não sabia


que a água-viva
tinha pés de fogo

que o afogado
usava pés-de-pato

que o amor tem pés de pluma
e o cinismo é um copo raso.

( Por Alan Miranda)


Poema 1




nossa intifada

pedras afiadas
arremessadas
fios de espada
brandindo no ar

você é toda escudo
mas sinto teu lábio,
quando mudo,
transmutar,
(quase perfeito)

em silêncio o grito

recolhido,
epicentro adentro,
no teu peito.

Deita tua lança
no chão duro
que esse moinho
não vale a pena
tua investida

desfaz teu espinho
que além do muro
minha cidade, serena,
jaz rendida.



( Por Alan Miranda)